quarta-feira, 13 de outubro de 2010

"Sopa de contos" ou "Cozido tradicional"...


Ingredientes:

  • 1 lobo
  • 1 Capuchinho Vermelho
  • 1 caçador
  • 1 Branca de neve
  • 7 anões
  • 3 porquinhos
  • 7 cabritinhos


Modo de preparação:

Num grande caldeirão, leva-se o lobo ao lume. Quando começar a ferver, juntam-se os restantes ingredientes. Rega-se com imaginação e salpica-se com uma boa dose de humor e de nonsense. Deixa-se cozinhar até apurar bem. Depois de cozido, escorre-se e serve-se bem quente, polvilhado com suspense.

Deixam-se algumas sugestões de apresentação. Bom apetite e óptimas leituras!




Numa narrativa de estrutura acumulativa, Os Três Porquinhos, Pedro e o Capuchinho Vermelho, entre outras vítimas do tradicional vilão da literatura de potencial recepção infantil, procuram refúgio em casa do Senhor Coelho, depois de terem lido uma notícia terrífica: “O lobo voltou!” – saliente-se, a este propósito, o pormenor humorístico de cada personagem ler a notícia num jornal dirigido à sua espécie. Temendo a sua chegada, mas aproveitando a ocasião de se encontrarem todos reunidos para preparar um belo jantar, são surpreendidos pela chegada da personagem temida. Porque “a união faz a força”, a hora da vingança chega para estas personagens que, em tantos contos, o feroz predador aterrorizou (e algumas devorou…), e todas se juntam para lhe mostrar que já nada as faz temer. A componente pictórica, particularmente sugestiva, é merecedora de uma leitura atenta, pela pluralidade de significados que sugere. Os efeitos sonoros e rítmicos que caracterizam o discurso espelham a feição dinâmica do texto que, pela estrutura paralelística e repetitiva que o suporta, encoraja a sua recriação por parte da criança. Uma história angustiante mas carregada de humor, que surpreenderá e divertirá os seus leitores.




Num digestivo passeio pela floresta, um lobo muito convencido resolve perguntar a quem com ele se cruza o que pensam dele. É então que, seguindo uma estrutura acumulativa, surgem várias personagens dos contos tradicionais (um coelho, o Capuchinho Vermelho, o
s Três Porquinhos, e os Sete Anões – atente-se, aqui, na piscadela de olho ao leitor, pela estranheza da associação proposta) que, para se protegerem do irascível predador, o reconfortam e enaltecem a sua narcísica convicção, dizendo-lhe tudo aquilo que esperava ouvir: que é ele o mais forte! A reviravolta instaura-se e a sua vida vacila, precisamente quando, apesar da sua inferioridade, uma pequena criatura, “uma espécie de sapo”, ousa contestar a sua superioridade universal e declarar que a mais forte é a sua mãe! Num desfecho que acaba por inverter as expectativas do leitor – e apenas reconhecível na simbiose entre as duas narrativas, visual e textual –, este é um livro que abre o debate sobre as relações de poder entre os indivíduos. A componente verbal, caracterizada pela brevidade e coloquialidade do discurso, alia-se a um conjunto de imagens, inconfundíveis do panorama ilustrativo do duplo autor, pela sua pluralidade cromática e pela expressividade do traço que, para além de a complementarem, alargam o seu sentido, espelhando de forma clara as personagens e os cenários centrais, e facilitando, deste modo, o processo de identificação dos leitores.




Lucas, o lobo-protagonista desta história, vem subverter a figura associada ao tradicional vilão numa personagem agora afável e sentimental, que, para grande tristeza da sua família, resolve sair de casa e viver a sua vida. Antes de partir, o pai, resignado, entrega-lhe uma lista dos melhores sustentos, mas, infelizmente para o seu esfaimado ventre, o jovem lobo é demasiado sensível e deixa escapar a suculenta cabra e seus sete cabritinhos, o atraente capuchinho vermelho, ou os três anafados porquinhos. O humor é o principal motor da obra, que brinda a criança com um discurso verbalmente simples e directo e umas ilustrações muito coloridas, que não só recriam, com clareza e expressividade, as personagens e os momentos-chave da diegese, como acrescentam inúmeros pormenores indutores de uma pluralidade de níveis de leitura. Eis, pois, uma história divertida de um lobo atípico e anti-conformista a que se afeiçoará qualquer leitor.

Carina Rodrigues (in Casa da Leitura)

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