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Na actual literatura infantil, a dimensão artística
do livro deixa de se cingir, de forma exclusiva, à dimensão literária do texto
ou ao valor estético das ilustrações, mantendo a Arte uma presença assídua,
enquanto motivo de tematização. O álbum surge, aliás, como umas das formas mais
relevantes no que toca à aproximação das suas publicações a diversos movimentos
ou tendências estéticas e artísticas, proporcionando uma familiarização com
técnicas, linguagens e representações distintas. Desde as adaptações
bio(biblio)gráficas de importantes criadores da história da Arte, e da pintura
em particular, à ficcionalização da criação artística como espelho do mundo e
da individualidade humana, este segmento editorial tem aproximado o leitor
infantil das mais variadas facetas da Arte, estimulando o diálogo intertextual/interartístico
e despertando o interesse por um universo altamente enriquecedor e prolífico.
Em 2012, a Editorial
Kalandraka dá a lume um título particularmente emblemático: O artista que pintou um cavalo azul, do ilustre
criador norte-americano Eric Carle. Homenagem inequívoca a um dos mais
influentes representantes do movimento expressionista na Alemanha, Franz Marc
(1880-1916), o álbum em análise constitui, pois, um excelente exercício de
educação visual. Inspirado na sua obra-prima, Cavalo azul I (1911), o volume classificável na tipologia do
“álbum catálogo” (Ramos, 2011) desvenda, aos olhos dos mais novos, uma galeria
de animais coloridos que convidam ao jogo intertextual.

Num registo inconfundível,
assente no recorte/colagem de pedaços de papel matizado, as ilustrações de grandes
dimensões e visualismo do autor d’A
lagartinha muito comilona (2007) revelam particular expressividade e textura, numa
representação pouco convencional do traço, das formas e das cores. Marcada pela
simplicidade e contenção vocabular, a narrativa em primeira pessoa inicia-se
com uma breve apresentação da figura elogiada − «Sou um artista e pinto...». Aí
então, segundo uma estratégia enumerativa polissindética, tipicamente conotada com o discurso infantil, sucedem-se
vários animais divertidos e, retomando as palavras do autor, «pintados com
cores ‘erradas’».

Se, por um lado, a composição gráfica do álbum convida ao
virar de página, sugerindo o enigma e a enunciação de hipóteses
interpretativas; por outro, as incongruentes opções cromáticas face à natureza
de cada um dos seres retratados e o absurdo das associações propostas promovem
a surpresa e o humor. Num desfecho marcadamente lúdico − quiçá, irónico − e, até,
nonsensical, o álbum também revela um
certo pendor autobiográfico, permitindo ao próprio ilustrador a apologia de um
estilo distinto e recebido como controverso, sublinhando a legitimidade da
liberdade do acto criador. Uma pura definição de Arte, portanto.
Referências bibliográficas:
RAMOS, Ana Margarida (2011), “Apontamentos para uma poética do álbum
contemporâneo”, in Roig Rechou,
Blanca-Ana, Soto López, Isabel e Neira Rodríguez, Marta (Coord.) (2011), O álbum na literatura infantil e xuvenil
(2000-2010). Vigo: Xerais, pp. 13-40.
Carina Rodrigues
Originalmente publicado em El Correo Gallego, a 1 de maio de 2012
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